O caminho foi longo: audiências públicas, escuta de pais e profissionais, elaboração de propostas, articulações com o legislativo, secretaria de saúde, defensoria pública, e muita luta para garantir dignidade no momento mais difícil da vida de muitas famílias.
A trajetória de quase 10 anos desde a apresentação do tema aos deputados até a aprovação da Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental, marcada por uma mobilização que teve início em 2016, impulsionada pela ativista Tatiana Maffini. Naquele ano, durante uma audiência pública na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados, ela apresentou uma minuta de projeto de lei que propunha medidas para humanizar o atendimento a mulheres e famílias enlutadas por perdas gestacionais, fetais e neonatais.

Entre as propostas destacadas, estava a implementação de uma identificação específica — como uma pulseira — para mães enlutadas, com o objetivo de evitar abordagens inadequadas por parte das equipes de saúde, como questionamentos sobre o paradeiro do bebê. Ela também defendeu o direito ao registro civil do natimorto com o nome escolhido pelos pais, reconhecendo a importância simbólica e emocional desse gesto. Essas propostas foram incorporadas ao Projeto de Lei nº 3.649/2019, e que serviu de modelo para tantos outros no país, que estabelecia procedimentos relacionados à humanização do luto materno e parental nos hospitais públicos e privados e, entre outras medidas, previa o acompanhamento psicológico às mães e pais desde o diagnóstico da perda, a oferta de acomodação separada para parturientes enlutadas e a possibilidade de despedida do bebê natimorto ou neomorto.
A partir dessa iniciativa, a ONG Amada Helena tornou-se um dos principais pilares na luta por uma política pública nacional pela humanização do luto parental. A organização desempenhou um papel fundamental na elaboração e promoção de legislações que abordam o tema, incluindo a Lei Estadual nº 15.895/2022, conhecida como Lei Helena Maffini, sancionada no Rio Grande do Sul. Essa lei estabelece procedimentos a serem adotados nos casos de perda gestacional, natimorto e perda neonatal nos serviços de saúde, além de buscar conscientizar e orientar profissionais e a sociedade sobre a sensibilidade do assunto.
A ONG Amada Helena desempenhou um papel fundamental na existência dessa Lei federal, participando de audiências públicas, promovendo campanhas de conscientização e colaborando movimentos, instituições que trabalham com o luto perinatal e materno, bem como com parlamentares e órgãos governamentais. Essas ações culminaram na sanção da Lei nº 15.139/2025, que institui a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental, garantindo direitos como o acompanhamento psicológico para mães enlutadas, a realização de exames para investigar as causas das perdas e o direito ao registro do natimorto com o nome escolhido pelos pais.
Essa conquista representa um marco na valorização e respeito às mulheres e famílias que enfrentam perdas de bebês na gestação, parto, pós-parto e primeiros dias de vida, promovendo uma abordagem mais humana e sensível por parte dos serviços de saúde em todo o país. A lei é o reconhecimento jurídico do luto, legitima o sofrimento, favorecendo processos mais saudáveis e prevenindo o risco de patologização ou cronificação do sofrimento, pois a possibilidade de expressar a dor, realizar rituais de despedida e ser acompanhado por profissionais capacitados contribui para que os pais e familiares possam elaborar simbolicamente a ausência e reconstruir a vida. A lei reforça a necessidade da proteção social a famílias vulnerabilizadas por essa vivência, frequentemente atravessada por sentimentos de culpa, isolamento e estigmatização. Além disso, possibilita o acesso a serviços que oferecem apoio psicossocial, rompendo com a invisibilidade histórica do luto parental e promovendo dignidade, acolhimento e fortalecimento de vínculos familiares.
A legislação final da Lei 15.139, que institui a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental, estabelece:
- acompanhamento psicológico após a alta hospitalar para pais e familiares;
- estabelecer protocolos de comunicação e troca de informações entre as equipes de saúde;
- ofertar acomodação em ala separada das demais parturientes cujo feto ou bebê tenha sido diagnosticado com síndrome ou anomalia grave e possivelmente fatal e que o bebê esteja em óbito;
- assegurar a participação, durante o parto do natimorto, de acompanhante escolhido pela mãe;
- realizar o registro de óbito em prontuário;
- viabilizar espaço adequado e momento oportuno aos familiares para que possam se despedir do bebê;
- oferecer assistência social nos trâmites legais relacionados;
- garantir, caso solicitada pela família, a coleta de forma protocolar de lembranças do bebê;
- expedir declaração com a data e o local do parto, o nome escolhido pelos pais para o natimorto e, se possível, o registro de sua impressão plantar e digital;
- possibilitar a decisão de sepultar ou cremar o natimorto, desde que não haja óbice, bem como a escolha sobre a realização ou não de rituais fúnebres;
- A perda gestacional, o óbito fetal e o óbito neonatal não motivam a recusa do recebimento da doação de leite;
- As mulheres com perdas gestacionais têm direito a exames para investigar a causa, acompanhamento psicológico e cuidado específico em uma futura gestação.
- É instituído o mês de outubro como o Mês do Luto Gestacional, Neonatal e Infantil no Brasil;
- É vedado dar destinação ao natimorto de forma não condizente com a dignidade da pessoa humana, admitidas a cremação ou a incineração somente após a autorização da família;
- ofertar atividades de formação, de capacitação e de educação permanente aos seus trabalhadores na temática da Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental.