A perda se acoplou em mim feito um parasita. Uma homeostase que parece perfeita. Um encaixe onde não se sabe onde começa um e termina o outro. Uma simbiose que mimetiza dias corriqueiros mas esconde o quão injusto o luto pode ser. De fora, quem me vê, acha que superei: “ lá vai ela, de batom vermelho, sorrindo, trabalhando, até grávida de novo está”. Por dentro, um cansaço inesgotável, uma impotência sem fim e um medo desumano de ouvir: “ tu tem outros filhos?’” Diante de Vicente, parece – para os outros- que Martin não tem vez. “ não era pra ser”, “ agora vai ser tudo certo”. Que garantias a vida nos dá? Mas Martin sempre será a presença da ausência. Que cor seriam os olhos dele? Como seria o sorriso? Qual seria a primeira palavrinha que ele estaria falando? Eu sempre odiei o futuro do pretérito. Tudo aquilo que poderia ter sido, não fosse a morte batendo na nossa porta. É, eu sei. Parece que “ tá tudo bem nesse novo bem”. Mas, em alguns momentos, diante do silêncio da noite, de uma lembrança em formato de choque da tragédia, queria muito pedir pra vida parar; para as pessoas me darem um tempo; poder me aninhar em um canto, e esperar. Talvez romper barreiras e poder atravessar esse céu… só para ver Martin sorrir e brincar. Que fossem poucos minutos. A vida não para, mesmo que seguir a vida seja a coisa mais injusta com uma mãe que perde um filho. Gestar um novo filho traz esperanças, sim. Faz a vida ter uma espécie de recomeço. Mas não, nunca haverá um futuro perfeito, onde eu tenha meus três filhos comigo. Somente o futuro do pretérito.
Neusa, mãe do Franscisco, do anjo Martin e do Vicente (a caminho)