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Existem mães que gestaram, mas não puderam exercer a maternidade.

Ainda assim, precisam ser vistas e cuidadas.

Ela existe. Você sabia?
Existe um corpo que gestou.
Existe, muitas vezes, uma cesariana a ser curada.
Um leite que custa a cessar.
Existe um útero em recuperação.
Neurônios adaptados para receber a vida de quem vem.
Existe um corpo projetado para um bebê que chegou… e não ficou.
Um bebê que não deixará a mãe sonolenta por muitas noites.
Um ouvido apurado que não ouvirá chorinho pedindo alimento.

Existe um corpo criado para nutrir — sem ter ninguém a quem alimentar.
O que não existe é um novo status social: mãe.
Não existe paz.
Não existe saúde mental.
Mas ainda existe alguém.
Alguém que precisa ser olhada.
Alguém fragmentada, que precisará se recompor.
Se recompor-se da memória de uma sala de parto em silêncio.
De um procedimento de curetagem em que, muitas vezes, ninguém nem reconheceu que ali estava o corpo do seu bebê.

Saúde mental materna é isso também.
É acolher a mãe, que continua existindo — mesmo que o filho não esteja mais aqui.

Ela precisa de cuidado.
De presença.
De escuta.
De reparação.

Sobre a maternidade invisível e a saúde mental que ninguém vê

1,9 milhão de natimortos no mundo em 2023 um bebê sem vida a cada 17 segundos, segundo a UNICEF
O luto pela perda de um bebê não é feito apenas de dor. O luto é complexo como nós: às vezes raso e previsível, às vezes abissal e incompreensível. Há quem reencontre propósito, quem se torne abrigo para outras pessoas, quem renasça com outra pele e quem jamais recupere o sorriso ou paz que um dia teve. Por isso, falar sobre saúde mental materna é reconhecer toda a paleta dessa vivência. A perda de um filho não leva “só” o filho – às vezes leva a saúde mental também. A experiência é invisibilizada, mas os impactos são profundos.Em um estudo de 2024 foram incluídas 218.990 mulheres que perderam bebê durante a gestação e foram registrados 26.930 casos de transtornos mentais comuns.
Ansiedade e Medo
Após a perda de bebê na gestação, o risco de transtornos ansiosos pode aumentar em até 60% (Journal of Affective Disorders).
Depressão Pós‑perda
Entre 10% e 20% das mulheres experimentam depressão no pós‑parto (Organização Mundial da Saúde); esse índice pode ultrapassar 40% nas mães enlutadas.
Transtorno de Estresse Pós‑Traumático (TEPT)
Cerca de 25% das mães que vivenciam a perda de seu bebê no período neonatal desenvolvem sintomas de TEPT nos meses seguintes (American Journal of Obstetrics & Gynecology).
Luto Complicado
Aproximadamente 15% a 20% dos casos de luto pela perda de bebê no período perinatal evolui para um luto prolongado.
Tokofobia secundária
medo intenso e persistente da gravidez ou do parto, que se desenvolve após uma experiência obstétrica traumática, fortemente associada à ansiedade e depressão que são presentes no luto pós-parto.
Estresse Pós-Parto
pode ser um fator de risco para o desenvolvimento de transtornos mentais e problemas de saúde, especialmente em mães que já estão lidando com o luto, sendo que até 70% das mulheres enlutadas no puerpério relataram sintomas intensos de estresse.
Esgotamento mental
O luto mobiliza muitos recursos internos — emocionais, cognitivos e até físicos — e quando essa vivência é profunda ou prolongada, o cérebro pode atingir um ponto de sobrecarga como resposta natural à intensidade emocional que a perda provoca. É uma das experiências psíquicas mais intensas e devastadoras que se pode viver, porque a mãe enlutada enfrenta, ao mesmo tempo, o luto pela perda do filho, as alterações físicas, hormonais e emocionais próprias do pós-parto e as exigências sociais e familiares para voltar a ser “funcional”. o que agrava ainda mais a sobrecarga mental.
Caminhos de Acolhimento e Tratamento
Romper o silêncio é ato de cuidado e esperança. Entre as possibilidades de apoio:
Acompanhamento com profissional especializado: terapia com psicólogo(a) e, se necessário, com psiquiatra.
Grupos de Apoio: conexões online e presenciais que respeitam o tempo de cada mãe e oferecem escuta qualificada.
Psicoeducação: capacitação de gestantes e familiares para identificar sinais de sofrimento emocional.
Serviços Públicos de Saúde Mental: fortalecimento de políticas que garantam acesso gratuito a psicólogos e psiquiatras com formação em luto.
Que esta reflexão seja semente para que mais olhos se voltem para a saúde mental materna de mães enlutadas, que cada experiência encontre amparo e que, no terreno árido do luto parental, brote cuidado e compaixão.

Referências
BOND, S. et al. (2017); KOOPMANS, L. et al. (2013); BECK, C. T. (2004)
Räisänen, S., et al. (2023).
Gold, K. J., Leon, I., Boggs, M. E., & Sen, A. (2007)
Journal of Affective Disorders
Organização Mundial da Saúde
American Journal of Obstetrics & Gynecology
2024 Shen, Zhong, Wang, Fu e Mao.Referências
UNICEF – Stillbirths (https://data.unicef.org/topic/child-survival/stillbirths/)
DATASUS – Mortalidade Neonatal 2022 (datasus.gov.br)
WHO – Maternal Mental Health and Child Health and Development
Journal of Affective Disorders – Perinatal Loss and Mental Health Outcomes
American Journal of Obstetrics & Gynecology – Perinatal Bereavement Studies

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